"Pela despinguinização do Direito!" (Luis Alberto Warat)

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Amor à primeira vista


Renata, mimosamada do Tio:

Lágrimas de saudade me vêm aos olhos quando relembro a primeira vez que ouvi essa feliz melodia na interpretação única de nosso consagrado astro da canção inglesa, Matt Monro (vide abaixo).
Que coisa maravilhosa.
Corria o ano de 1969, e este que te escreve era apenas um menininho de doze para treze anos, cujo mundo se restringia a Porto Alegre e Alegrete, com alguma chegada eventual a Quaraí, Uruguaiana, Libres, Artigas ou Rivera. A BR-290 - tanto quanto as demais estradas gauchinhas - não era totalmente pavimentada. Vinha-se de Alegrete a Porto Alegre de forma acidentada, por uma via cheia de buracos, lamaçais, pedregulhos afiados, pouca brita e muita poeira. A viagem eram doze horas cheias de aflição, chegando-se à Capital do Estado no início da noite, num acesso muito mal sinalizado, pontilhado de caminhões e ônibus, em tráfego intenso e perigoso. Alcançar inteiro e sem fraturas a Ponte do Guaíba era uma proeza de lavor fino e realização heróica .
O Brasil era um lugar semiagreste, mais brutal e incivilizado do que hoje, de infinitas distâncias e ancestrais atrasos, o perfeito Bananão.
Pois qual não foi minha surpresa, naquele fevereiro de 1969, quando, por sugestão de uns tios, cheguei com minha família à belíssima Punta del Este, cheia de elegância, cosmopolitismo e refinamento!
Toda mi culpa no es/Me he enamorado esta vez.
A Playa Mansa era um areal sem fim, com uma ou outra solitária casa de veraneio despontando em meio a céus muito azuis, cômoros colossais e vegetação rasteira.
Mas o centro, a deliciosa Avenida Gorlero, já ostentava seu portentoso glamour e sua saborosa atmosfera de pequena esquina do mundo. A publicidade uruguaia incensava o mais recente empreendimento imobiliário, o edifício Castellamare - el más hermoso de la Peninsula, a Fanta era hecha con yugo de naranjas uruguayas, os automóveis deveriam rodar com neumáticos F.U.N.S.A* , e os senhores elegantes deveriam vestir-se com ternos feitos de Acrocel - joven elegancia en casimires. (Para as classes populares estava disponível o Lavi-Listo - no se plancha! , uma espécie de camisa Volta ao Mundo bem zurrapa, que dispensava passá-la a ferro, bastando lavá-la e pendurá-la num cabide, à noite, para voltar miseravelmente a vesti-la na manhã seguinte). Para seu desjejum (desayuno) ou lanchinho, sua preferência deveria recair sempre sobre as Galletitas 'Al Maestro Cubano', sempre fresquinhas, crocantes e deliciosas.
Foi naquela mesma Playa Mansa, em meio ao areal, que fomos almoçar, com uns amigos argentinos, em algo que se compararia - hoje - ao Rancho do Baturité dos anos 70, em Balneário Camboriú, SC.
E foi lá que ouvi, pela primeira vez, Matt Monro cantar essa excelente versão de Can't Take My Eyes Off of You, grande sucesso nos EUA de 1967, gravada que fôra por Frankie Valli.
Por eso no puedo así/Quitar mis ojos de ti ...
Indisfarçável meu encantamento.
Na sorveteria de uma esquina da Gorlero, eu ouvia, numa reluzente jukebox, os Beatles cantarem Hey Jude, inserindo uma fichinha na maquineta, coisa que me deliciava porque ainda inédita para nós, em Porto Alegre. Mais além, havia um flipperama sempre lotado de buliçosos garotos argentinos, e, no delicioso cinema, pela primeira vez, entrei num filme "proibido para menores de 18 anos". Que façanha!
E o filme não era outro senão o clássico Viver por Viver, de Claude Lelouch, com Yves Montand, Candice Bergen e Annie Girardot.
Que coisa deslumbrante.
Eu não conseguia parar de não acreditar em minha boa sorte.
E esta foi minha Estrada de Damasco esteña, minha epifania inigualável e inesquecível na Banda Oriental.
Faz 41 anos e não me lembro de ter vivido coisa melhor. Até hoje.
Beijo,
PR
* F.U.N.S.A = Fabrica Uruguaya de Neumáticos Sociedad Anonima

Um comentário:

RC disse...

Querido amigo, obrigada pelo texto, pela trilha e pelas imagens! O conjunto é bom demais para aprisionamento em uma pasta de word... Beijo.